Índice de Morris – SAE ou artefato?

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Uma importante avaliação feita em ECGs na prática clínica decorre da observação do chamado Índice de Morris, achado que denota sobrecarga atrial esquerda. O índice foi definido em 1964, quando autor avaliou a “força terminal da onda P” (do inglês, PTF), especificamente na derivação V1, caracterizada como a duração multiplicada pela amplitude da parte negativa da onda P bifásica, medida em microvolts x ms. A partir desse achado, e para obter informação semelhante à PTF de forma mais fácil, definiu-se que quando a parte negativa da onda P tem a área de um quadradinho (amplitude de 100 microvolts) podemos caracterizar o que chamou-se de “profunda negatividade terminal” (do inglês, DTN), a qual comumente denominamos de índice de Morris.

Fisiologicamente, quando a onda P é bifásica em V1, a primeira deflexão (positiva) é a representação da despolarização do átrio direito e a segunda deflexão (negativa) é a representação da despolarização do átrio esquerdo. Quando a massa ou o tamanho da câmara atrial esquerda aumenta, a porção terminal da onda P teoricamente também aumenta e, portanto, esse achado é um marcador de anormalidade atrial esquerda (sobrecarga).

A avaliação da porção terminal da onda P em V1 tem ganhado força como determinante na identificação de pacientes com risco de desenvolver fibrilação atrial e AVE. No entanto, PTF e DTN anormais, ou mais facilmente, a presença de Índice de Morris, pode ser sinal de anormalidades do átrio esquerdo, como também ser indicativo de posição elevada de eletrodos precordiais. E a gente sabe o quanto que a colocação de eletrodos em posição inadequada é comum na prática clínica, principalmente quando se trata das derivações V1 e V2.

A posição inadequada de eletrodos precordiais pode levar à interpretação diagnóstica equivocada em virtude da mudança da morfologia das ondas. Além do aumento da negatividade da onda P, outros achados que também estão relacionados a posição indevida são o padrão de Brugada e padrões que podem indicar isquemia (alterações do segmento ST).

Um estudo recente – publicado na última edição do Journal of Eletrocardiology e realizado no Departamento de Cardiologia no Hospital da Universidade de Copenhagem, na Dinamarca – avaliou o registro de ECG de 29 pacientes, sendo 41% do sexo masculino, com idade média de 32 anos, todos em ritmo sinusal. Para cada um deles, foram feitos registros com os eletrodos precordiais colocados a partir do 4º espaço intercostal (EIC) , mas também a partir do 3º EIC e 2 º EIC.

Figura 1 – Posição de eletrodos precordiais

O estudo demonstrou que mover a derivação precordial V1 para posições superiores (3º e 2º EIC) causa um aumento da negatividade da onda P. Quando o coração é visto mais de um ângulo cranial, a primeira deflexão (positiva) diminui e a porção terminal aumenta. Portanto, não seria possível determinar se a causa do aumento da força terminal da onda P e sua negatividade são decorrentes de uma alteração estrutural do átrio esquerdo ou secundária ao ângulo a partir do qual o eletrodo V1 está “enxergando” o átrio. Em outras palavras, fica difícil estabelecer se o índice de Morris se correlaciona com sobrecarga atrial esquerda ou é meramente um artefato.

Figura 2 –  Formas da onda P em posições distintas no tórax do mesmo paciente.

Diversos outros estudos já apontaram essa possibilidade de interpretação equivocada do índice de Morris. Todos relataram um importante achado: onda P totalmente negativa em V1 pode ser sinal de posição elevada de eletrodo, bem como o padrão rSr’.

A posição equivocada de eletrodos foi mais vista em ECGs realizados em ambientes hospitalares, principalmente nos prontos-socorros. Mesmo os médicos mais treinados, incluindo cardiologistas, incorreram no erro.

Como a posição do eletrodo dos membros não afeta a morfologia das ondas, desde que colocados nos membros corretos, estas derivações podem ser mais confiáveis para avaliação de medidas no ECG na prática clínica.

Referência: M.U. Rasmussen et al. / Journal of Electrocardiology 53 (2019) 85–88

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