Umas das primeiras capacidades desenvolvidas na análise de eletrocardiogramas é a determinação do eixo cardíaco. Ainda assim, para muitos, é algo que traz dificuldade na prática diária e, ao entender o que de fato significa, pode auxiliar na determinação diagnóstica de algumas patologias.
Para falarmos de eixo cardíaco ou vetor médio, é necessário compreender de onde vem esse conceito. Todos sabemos que existem dois tipos de potenciais na célula miocárdica: o potencial de repouso e o de ação. Nós vamos detalhar em uma outra oportunidade cada um deles… Por ora, o que você precisa saber é que cada potencial de ação determina um vetor (lembra da física?), isto é, uma forma de caracterização gráfica em que temos sentido, direção e tamanho determinados. A cada momento da despolarização da fibra miocárdica, é possível representar um vetor. Quando somamos todos os vetores decorrentes da despolarização completa do miocárdio, conseguimos determinar o vetor resultante, ou vetor médio, o que então chamamos de eixo cardíaco.
Para sermos capaz de designar “onde se encontra” o eixo cardíaco, devemos considerar sua análise em dois planos: o frontal e o horizontal. O plano frontal é determinado pelo triângulo de Einthoven e suas derivações “aumentadas”, gerando o que se conhece como sistema hexa-axial ou “rosa dos ventos” do eletrocardiograma. É necessário que você saiba reproduzir esse gráfico para poder visualizar a posição do eixo cardíaco. Já o plano horizontal envolve a análise das derivações precordiais de V1 a V6.
“Sistema hexa-axial” ou “Rosa dos ventos” do eletrocardiograma. Representação das derivações do plano frontal e sua relação com o coração. O ângulo destacado em verde representa os valores da normalidade para o eixo.
A posição do eixo cardíaco em relação ao coração envolve vários fatores. De forma bastante intuitiva, podemos afirmar que quanto mais vetores houver em uma direção e sentido e quanto maior forem esses vetores, maior será a capacidade deles determinarem o eixo. Assim, levando em consideração a grande massa ventricular esquerda, principalmente em sua parede livre, no plano frontal o SÂQRS (orientação do vetor resultante) normal pode variar de -30° a +90° e, geralmente, pode ser descrito como para direita e para baixo. Já no plano horizontal, o QRS deve ser predominantemente negativo (onda S maior que a onda R) em derivações precordiais direitas (V1-V3) e positivo (onda R maior que onda s) nas esquerdas (V4-V6), caracterizando um SÂQRS para trás.
Eixo cardíaco no plano frontal e horizontal.
Para se encontrar o vetor médio do QRS no plano frontal, basta seguir os seguintes passos:
- Determine a “positividade” ou “negatividade” do QRS nas derivações DI e aVF. O esquema abaixo exemplifica as quatro possibilidades.
Eixo cardíaco determinado no 1º quadrante.
Eixo cardíaco determinado no 2º quadrante.
Eixo cardíaco determinado no 3º quadrante.
Eixo cardíaco determinado no 4º quadrante.
- Uma vez descoberto em qual quadrante fica mais fácil determinar o eixo em graus. O próximo passo é procurar a derivação com QRS mais isodifásico: o SÂQRS estará localizado na derivação perpendicular a esta derivação.
Eixo localizado em DII (positivo), ortogonal a aVL (derivação mais isodifásica).
Eixo localizado em DIII (negativo), ortogonal a aVR (derivação mais isodifásica).
Eixo localizado em DII (negativo), ortogonal a aVL (isodifásico).
Eixo localizado em DIII (positivo), ortogonal a aVR (isodifásico).
Por que é importante determinarmos o eixo cardíaco? Sabendo os valores da normalidade, podemos correlacionar as alterações e os achados clínicos para auxiliar no diagnóstico de patologias. Confira algumas correlações na tabela abaixo:
Desvio de eixo para a direita | Desvio de eixo para esquerda |
Bloqueio divisional póstero-inferior | Bloqueio divisional ântero-superior |
Infarto do miocárdio lateral | Bloqueio de ramo esquerdo |
Hipertrofia ventricular direita | Hipertrofia ventricular esquerda |
Doença pulmonar aguda (embolia pulmonar) | Infarto inferior |
Doença pulmonar crônica (DPOC) | Ectopia ventricular |
Ectopia ventricular | Ritmo de marcapasso artifical |
Síndrome de WPW | Síndrome de WPW |
Normal em crianças ou adultos magros | Obesidade |
Alterações no eixo também podem estar relacionadas a troca de eletrodos de membros. Mas não se preocupe: nós vamos abordar esse tema de maneira mais completa em outra oportunidade.
Dominar a determinação do eixo cardíaco exige treinamento e nós sugerimos que você pratique em todos os eletros a que tiver acesso, mesmo naqueles considerados normais. Quanto mais exemplos você visualizar, mais fácil se tornará esse item da análise do ECG para você.
Autores: Dr. Marco Antonio Bustamante de Lima e Dr. Acácio F. Cardoso.