Avaliando pacientes com QT longo

Sintomas-QT-longo

  De maneira geral, quando a gente se interessa pelo estudo do ECG, a gente acaba sempre revisitando inicialmente o mesmo conjunto de conteúdos mais básicos, relacionados a sobrecargas, distúrbios de condução AV e intraventricular, sinais de isquemia e infarto e alterações na repolarização, entre outros.

  Temas como Síndrome do QT longo ou curto, Displasia Arritmogênica de VD, Síndrome de Brugada e outras doenças mais específicas acabam trazendo dificuldade de aprendizado, mais pela falta de contato na prática diária, do que pelo próprio conteúdo teórico em si. Se a gente vê pouco, a gente acaba se interessando pouco sobre o tema.

  A Síndrome do QT longo representa uma família heterogênea de desordens eletrofisiológicas cardíacas caracterizadas pelo prolongamento do intervalo QT e anormalidades relacionadas à onda T no ECG.

  Está comumente associada à perda súbita de consciência transitória relacionada à síncope, mas que em diversas ocasiões acaba sendo mal diagnosticada como convulsão. O diagnóstico mais temido é a morte súbita cardíaca que está associada ao evento da arritmia torsades de pointes.

  O intervalo QT é a medida do início do QRS ao término da onda T. Ele é a manifestação eletrocardiográfica da duração do potencial de ação ou da atividade elétrica ventricular. Como esse intervalo é variável de acordo com a FC cardíaca, devemos utilizar uma das fórmulas de correção disponíveis para calcular o QTc.

  Os valores para o QTc variam de acordo com o sexo e, segundo as III Diretrizes da SBC sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos, são aceitos como normais até o máximo de 450 ms para homens e 470 ms para mulheres. Para crianças, o limite superior é de 460 ms.

A manifestação clínica mais comum

  A queixa de síncope no PS sempre deve motivar o médico a procurar causas que justifiquem a admissão do paciente para investigação complementar ou que garantam a segurança de continuar a investigação ambulatorialmente.

  Quantas vezes você considerou a Síndrome do QT longo como causa para síncope do seu paciente?

  Muitas das pessoas que tem a Síndrome do QT longo não manifestam nenhum sinal ou sintoma. Nesses casos, o médico acaba considerando a hipótese mediante um achado de exame em um ECG, solicitado por outro motivo qualquer, ou por meio do histórico familiar ou resultados de testes genéticos.

  A maioria dos pacientes que manifesta sintomas apresenta o primeiro episódio por volta de 40 anos de idade. Quando ocorrem, os mais comuns são:

1) Síncope: é a mais comum. Ocorre devido a ocorrência de ritmos irregulares no coração. Podem ocorrer quando o paciente está excitado, bravo, assustado ou durante a prática de exercícios. É geralmente uma síncope do tipo liga e desliga, sem pródromos como lipotímia, palpitações ou sensação de batimento irregulares, fraqueza ou escurecimento visual.

2) Convulsão: pode ser a evolução de uma síncope que acaba durando um período de tempo maior e que leva ao hipofluxo cerebral. Nesse caso, é muito importante tentar diferenciar na história se houve ou não uma síncope prévia. Isso ajuda a triar se a queixa é primariamente cardíaca ou neurológica.

3) Morte súbita: geralmente, o coração retorna ao ritmo normal de forma autônoma. Um cardiodesfibrilador (interno ou mesmo externo) pode ser utilizado para a reversão do ritmo, se for necessário. Se nenhuma dessas formas ocorrer, a morte súbita pode ser o desfecho final desse paciente.

  Os sinais e sintomas podem ocorrer durante o período de sono ou sonolência. Por isso, é possível encontrar Holters que registram arritmias no período noturno em pacientes com QT longo.

A Arritmia mais comum na Síndrome do QT Longo

  No geral, intervalos QT prolongados não causam problemas. Eventualmente, episódios de stress físico ou emocional podem acabar desencadeando alterações no ritmo cardíaco, levando a arritmias potencialmente fatais. São elas:

1) Torsades de Pointes (ou Torção de pontas): é uma forma particular e grave de arritmia ventricular. O traçado eletrocardiográfico é típico mostrando complexos ventriculares alargados, cuja polaridade se inverte periodicamente, como se dançassem ou se torcessem ao redor de uma linha de base (figura). Sua FC gira em média em torno de 200 a 250 bpm e geralmente reverte espontaneamente após alguns segundos.

2) Fibrilação ventricular: quando não revertida espontaneamente ou por meio do cardiodesfibrilador, a Torsades de Pointes pode degenerar em uma FV. E a FV, a gente sabe: é uma arritmia extremamente grave, usualmente fatal em 3 a 5 minutos.

Eletrocardiograficamente, ela é reconhecida pela total irregularidade do traçado, com ondas de vários contornos e amplitudes. A não ser que o coração seja desfibrilado, esse ritmo pode levar à morte súbita.

Para evitar desfechos negativos, é muito importante orientar os pacientes sobre fatores de risco ou causas que podem desencadear crises de arritmia e quais as medidas para prevenção.

7 Dicas Para Medir Corretamente o Intervalo de QT:

  Apesar da importância de se saber medir corretamente o intervalo QT, diversos estudos demonstram que comumente dois médicos não conseguem medir o mesmo o intervalo QT e chegar ao mesmo resultado. Estranho, né? E isso inclui até mesmo eletrofisiologistas…

  O fato é que não há nenhuma diretriz internacional definida orientando como medir o intervalo QT. Uma das maiores dificuldades é encontrar o ponto que corresponde ao final da onda T. Além disso, o próprio intervalo pode variar a cada dia, minuto a minuto, ou pior, batimento a batimento.

  Alguns princípios que devem ser seguidos para a boa prática na medida do intervalo QT são:

1) Faça medidas em um ECG de boa qualidade: linha de base “flat”, sem artefatos e com alta resolução. Quando possível, priorizar medida durante o ritmo sinusal. Evite medidas em traçados com arritmia sinusal, extrassístoles ventriculares ou ritmos de base diferentes, como a FA.

2) Faça medidas em mais de um ECG: como o intervalo QT varia constantemente e sobre diferentes influências, é prudente realizar mais de uma medida em diferentes traçados, principalmente para casos de QTc borderlines.

3) Foque nas derivações DII e V5: em ECGs com papel normal e velocidade de 25mm/s, faça ao menos uma medida em cada derivação e a adote a maior delas.

4) Sempre suspeite de QT longo em ondas T com morfologias anormais: é como designarmos alterações da onda T como inespecíficas, discretas ou difusas. Essas alterações devem levantar a suspeita de síndrome de QT longo familiar, quando outras causas aparentes tiverem sido descartadas.

5) Use a técnica da tangente: O final da onda T pode ser difícil de ser designado. Ele pode ser mais bem reproduzido quando utilizamos essa técnica, que consiste em desenhar uma linha tangente ao ponto de maior inclinação da segunda porção da onda T. É considerado o final da onda T o encontro dessa linha com a linha de base (segmento PR) do ECG. Caso o intervalo QT esteja sendo medido em um teste ergométrico, a linha de base de referência é a junção entre dois pontos PQ (linha QQ na figura abaixo).

6) Referenciando a partir de derivações adjacentes: Mesmo com a dica anterior, encontrar o final da onda T pode ser difícil se ela estiver muito achatada. Quando isso ocorre, uma abordagem interessante seria traçar uma linha vertical a partir de derivações adjacentes que cruze a derivação que se deseja estudar. Observe na figura abaixo:

7) Considere qual o método mais adequado para se fazer a correção para o QTc: O intervalo QT, como vimos, deve ser calculado levando-se em conta a FC. Para isso, temos disponíveis diversas fórmulas, todas elas porém com limitações resultando em valores supra ou subcalculados. A fórmula mais comumente utilizada é a de Bazzet (observe a figura abaixo. Sua maior limitação é produzir QTc curtos para FC baixas e QTc longos para FC altas. Nesses casos, é necessário considerar o uso de outras fórmulas como a a Fredericia, Hodges ou Framingham.

 

Com essas dicas, você terá mais sucesso na medida do intervalo QT e do cálculo do QTc corrigido nos ECGs que você analisar.

Compartilhe com colegas e treine bastante para poder melhorar a acurácia do seu diagnóstico.

Em caso de dúvidas, você pode contar com o suporte da equipe ECGNOW.

Respostas de 4

  1. Boa noite!!!Grande parte de minha família tem síndrome do qt longo já fiz eletro que acusou arritmia já passei mal algumas vezes e nos eletros não aparece que tenho qt longo não confio plenamente o que fazer?

    1. Prezada Cléia,
      As orientações sobre tratamentos e cuidados para pacientes precisam ser contextualizadas com os dados clínicos e antecedentes obtidos nos resultados de sua consulta médica.
      Por esse motivo sugiro que avalie sua situação com um médico cardiologista em consulta.
      Te desejamos melhoras e agradecemos a sua participação.

  2. Olá Dr tinha 2 irmã com Qtc as duas veio a óbito uma com 34 e outra com 32 só agora descobri que tenho o mesmo problema eu me sinto insegura pq tenho 36 anos, será que ainda tenho risco de morte súbita faço uso do propalou de 80 3 vez ao dia

    1. Prezada Rosicleia,
      Para definições de gravidades e riscos é importante que seja feita a contextualização de dados clínicos e antecedentes que serão obtidos nos resultados de consultas médicas.
      Ressaltamos a importância do acompanhamento contínuo para avaliação desse tipo de situação, em consulta com um médico cardiologista.
      Agradecemos a sua participação.

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