Quem já está nos acompanhando há algum tempo, já conferiu a aula sobre bloqueio atrioventricular. De maneira genérica, abordamos o tema, dando exemplos e estruturando a ideia utilizando o auxílio do diagrama de Lewis. Se você ainda não conferiu, clique aqui. Hoje, vamos falar do tipo mais perigoso de bloqueio AV: o de 3° grau ou BAV total.
Pra todo mundo que dá plantão em emergências e prontos-socorros, a admissão de paciente com bradiarritmia sintomática levanta sempre a preocupação com a possibilidade de sinais de baixo débito e até de choque cardiogênico. A apresentação clínica do paciente pode incluir:
- Fadiga;
- Tontura;
- Pré-síncope ou lipotímia;
- Síncope;
- Sudorese;
- Palidez cutânea;
- Hipotensão;
- Oligúria ou anúria;
- Aumento do tempo de reenchimento capilar;
- Alteração/rebaixamento do estado mental;
- Dor torácica (no casos relacionados à síndrome coronariana aguda, em que também pode estar presente o bloqueio AV, decorrente de obstrução aguda de artérias que participam do sistema de irrigação do nó AV, ramos da artéria coronária direita ou da circunflexa).
As medidas iniciais de atendimento devem ser priorizadas segundo as diretrizes publicadas pela American Heart no manual Advanced Cardiac Life Suport (ACLS). O eletrocardiograma é fundamental no auxílio diagnóstico e individualização da conduta correta para o caso.
Um número importante de casos de bradiarritmia, seja ela sintomática ou assintomática, ocorre por bloqueio atrioventricular total. Nesse tipo de arritmia, existe um impedimento total da passagem do impulso elétrico pelo nó AV, gerando o que chamamos de dissociação atrioventricular. Ou seja, átrios contraem independentemente dos ventrículos. Veja este exemplo abaixo:
Figura 1: Traçado de ECG de 12 derivações de uma mulher, 82 anos, evidenciando FC = 37 bpm.
Figura 2: Destaque do ECG acima: as marcações em vermelho evidenciam as ondas P no traçado. Perceba que elas não apresentam relação com os complexos QRS, ou seja, sua despolarização não desencadeia a despolarização dos ventrículos. Esta ocorre de maneira espontânea, deflagrada pelo automatismo de um foco ventricular.
Devido essa dissociação, os ventrículos não são ativados pela condução do nó AV. Desse modo, qualquer ponto do sistema de condução abaixo dessa estrutura e antes da divisão nos feixes de His pode deflagrar um impulso elétrico. Quando isso acontece, o QRS é estreito e dizemos que o escape é juncional. Se o batimento é deflagrado após a divisão em feixes ou por qualquer outro ponto do miocárdio ventricular, chamamos este batimento de escape idioventricular e o QRS é largo. Portanto, no exemplo acima, o escape é idioventricular, ok?
E o diagrama de Lewis? Como ficaria no bloqueio AV total? Vamos continuar com o nosso exemplo e desenhá-lo:
Figura 3: Diagrama de Lewis. Perceba a dissociação da atividade elétrica dos átrios em relação aos ventrículos. Nesse exemplo, os intervalos PP e RR estão regulares.
Nessa representação gráfica, fica bem evidente como as atividades elétricas supraventricular e ventricular são independentes. Ou seja, nenhum dos impulsos deflagrados nos átrios chega aos ventrículos.
E como tratar? Bom, além das orientações iniciais já citadas, a indicação do marca-passo é fundamental. Para saber mais detalhes, clique aqui.
Vale lembrar que o bloqueio AV total congênito pode se apresentar de forma benigna e assintomática nas primeiras décadas de vida e a necessidade de implante de marca-passo deve ser avaliada caso a caso e rotineiramente, incluindo a realização de teste ergométrico, a patir de idade adequada, para avaliar a resposta cronotrópica (aumento de frequência cardíaca) do escape.
Bom, por hoje é isso. Agora que você já sabe, reúna seus colegas para discutir sempre que pintar um ECG de BAV total. Não podemos perder a chance de propagar o conhecimento médico.
Até a próxima, pessoal.