Deterioração das habilidades de interpretação do Eletrocardiograma

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O registro de eletrocardiogramas de 12 derivações é um dos procedimentos médicos mais úteis e comumente realizados. ECGs são usados no diagnóstico, estratificação de risco, plano terapêutico e avaliação da resposta a tratamentos.

A interpretação correta de um ECG de 12 derivações, apesar de ser defendida como habilidade do médico generalista pelo Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais, é, na verdade, bem complexa e desafiadora do ponto de vista clínico – uma interpretação equivocada tem o potencial de resultar em desfechos negativos, incluindo o óbito do paciente.

Diversos estudos já relataram deficiências nas habilidades de interpretação de ECG entre os profissionais da saúde. A literatura sugere que cerca de 33% das interpretações de ECG possuem algum erro quando comparadas à avaliação de um especialista e 11% resultaram em um manejo clínico inapropriado.

Infelizmente, não há uma pedagogia universal bem estabelecida. A revisão da literatura indica que há uma grande variação na duração, treinamento de faculdades específicas e formato de ensino.

Uma recente revisão publicada no Journal of Eletrocardiography reportou como a ausência de métodos bem estabelecidos para a análise de ECGs pode contribuir para a variação na competência para a interpretação deste exame dentre diversos profissionais da saúde.

Dentre os principais aspectos destacados, podemos citar:

  • Segunda a literatura, a acurácia diagnóstica de ECGs com elevação do segmento ST pode chegar a apenas 79% dos casos.
  • A acurácia diagnóstica de casos de arritmia pode chegar a 71%.
  • Arritmias cardíacas e síndromes isquêmicas do miocárdio figuram como a maioria dos casos de admissão hospitalares em cardiologia.
  • Os piores escores de acurácia foram reportados para casos de ECG com artefatos, inversão ou posicionamento inadequado de eletrodos e dextrocardia (65%) e somente 37% de concordância para os casos de alterações estruturais como os de hipertrofia.
  • Somente 25% dos intervalos PR e QTc foram medidos com acurácia adequada.

O autor Hurst destaca que existe uma considerável evidência indicando que a interpretação de eletrocardiogramas se deteriorou a um nível insatisfatório. Para ele, a principal lacuna decorre do não entendimento da vetocardiografia e do ensino focado na memorização de padrões morfológicos no traçado.

Infelizmente, ainda não há um método padrão de ensino de ECG baseado em evidências. As formas mais comumente encontradas na literatura são palestras (75 a 90%), suplementadas por pequenos grupos de ensino prático (44 a 78%) em que a interpretação de ECGs representa a principal atividade de aprendizagem.

Ainda não há um consenso sobre como deve ser o critério de eficácia nos métodos de ensino de ECG. Algumas instituições defendem um número mínimo de interpretações supervisionadas dentro de um intervalo de tempo específico; outras defendem que essa avaliação deve ser periódica dentro do contexto clínico, em vez de se completar um número mínimo de avaliações. Os números defendidos pelas instituições que seguem a primeira modalidade variam de 500 a 35.000 interpretações em 12 meses, o que torna essa avaliação de eficácia bastante questionável.

Há inúmeras possibilidades para o futuro desenvolvimento de habilidades de interpretação em ECG. O advento do eletrocardiógrafo digital trouxe consigo a possibilidade de interpretação diagnóstica computadorizada. O que antes se apresentava com baixa acurácia por ser estruturado em algoritmos advindos de modelos humanos baseados em experts, hoje já é possível afirmar eventual superioridade dos novos algoritmos de diagnóstico em medicina baseados em inteligência artificial, machine learning e deep learning. Quem sabe não será a partir dessas supermáquinas que vamos conseguir depreender o melhor método pedagógico para treinamento da interpretação de eletrocardiogramas.

Enquanto esse advento tecnológico não está disponível para a prática clínica cotidiana, a telemedicina pode oferecer um fantástico suporte às lacunas de interpretação de ECG. O telediagnóstico é modalidade muito bem estabelecida no Brasil e no mundo e permite que profissionais de saúde tenham acesso a cardiologistas especialistas para o auxílio diagnóstico eletrocardiográfico, até mesmo à beira do leito. O advento de smartphones tablets permitiu o desenvolvimento de aplicativos que permitem essa conexão com extrema facilidade, agilidade e segurança.

Referência:

Breen CJ1, Kelly GP2, Kernohan WG3.ECG interpretation skill acquisition: A review of learning, teaching and assessment. J Electrocardiol. 2019 Apr 12. pii: S0022-0736(18)30641-1. doi: 10.1016/j.jelectrocard.2019.03.010.

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