É flutter ou FA? Eu tenho certeza de que essa dúvida já pairou por aí durante a análise de um eletrocardiograma. Essas duas taquiarritmias são tão frequentes no dia a dia do clínico que muita gente se confunde na hora de diferenciá-las. Se você já ouviu o termo “fibriloflutter” sabe bem do que eu estou falando, não é mesmo? Hoje eu quero apresentar 5 diferenças importantes entre Fibrilação Atrial (FA) e Flutter atrial (FLA).
1) DEFINIÇÃO
Antes de mais nada, é melhor a gente colocar em palavras bem claras o que define cada uma das arritmias. Isso vai ajudar na hora de determinar o traçado.
Fibrilação atrial: É uma arritmia supraventricular caracterizada por apresentar atividade elétrica contínua, desorganizada e muito rápida (em torno de 600 estímulos por minuto), que não se traduz em contração atrial efetiva. Existem múltiplos pontos no miocárdio atrial em despolarização e repolarização concomitantes, propagando vetores em diferentes direções que podem ou não chegar a estimular o nó atrioventricular.
Flutter atrial: taquiarritmia atrial mais comumente caracterizada pela presença de um circuito de macroreentrada anti-horário localizado no átrio direito (istmo cavo-tricuspídeo), capaz de gerar também uma frequência atrial elevada (geralmente entre 250 e 350 estímulos por minuto) e que também não se traduz em contração atrial efetiva. Geralmente, mantém uma relação atrial fixa o que permite um pulso mais regular que na fibrilação atrial.
2) EPIDEMIOLOGIA:
A fibrilação atrial é a taquiarritmia irregular mais comum e é 10 vezes mais prevalente que o FLA. Em ambos os casos, existe um predomínio masculino, mais acentuado no caso do FLA. Existe uma incidência progressiva de ambas as taquiarritmias de acordo com a idade, mas o número de casos de FA é substancialmente maior, chegando a uma prevalência de mais de 5% da população a partir dos 69 anos de idade. A prevalência da fibrilação atrial é estimada em 0,4% na população geral, aumentando a cada década de vida a partir de 50 anos.
3) CARACTERIZAÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA:
A FA é uma taquiarritmia definida classicamente como a presença de um ritmo de QRS estreito, com intervalo RR irregular e ausência de onda P. Ainda assim, é possível que haja ondas de ativação atrial que são denominadas ondas “f”. Essas ondas (“f” minúsculo) podem ser caracterizadas como grosseiras (do inglês “coarse”) quando possuírem voltagem superior a 0,5mm ou 1mm. Já o FLA apresenta-se com ondas senoidais em formato de serra denominadas “F” (maiúsculo), sem linha de base isoelétrica. O mais comum é que a polaridade dessa onda seja negativa em DII, DIII e aVF. A FC ventricular costuma a se a metade da FC atrial (geralmente em torno de 125 a 150 bpm).
4) CAUSAS
Uma das principais diferenças entre as duas arritmias é o fato de que o flutter atrial quase sempre apresenta cardiopatia orgânica subjacente (exceto nos casos em que está associada associada a Wolf-Parkinson-White). Já na fibrilação atrial, até 30% dos casos não apresentam alteração estrutural cardíaca ou sem nenhuma outra doença (idiopática).
A fibrilação atrial classificada como idiopática, isolada ou solitária (do inglês “lone atrial fibrilation”) é aquela que ocorre sem qualquer fator etiológico definido, sem alteração função do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma, sem a documentação de aumento de átrio esquerdo ou da presença de doenças capazes de aumentar a pressão das câmaras cardíacas, como a hipertensão arterial ou a doença pulmonar e, principalmente, em pacientes abaixo de 60 anos de idade.
A FA também pode ser secundária a fatores genéticos e hereditários, principalmente aqueles associados à canalopatia. Existe uma série de mutações de genes já identificadas em diversos cromossomos.
As causas mais comumente associadas à fibrilação atrial e ao flutter podem ser divididas entre causas cardíacas e causas não cardíacas ou associadas a doenças sistêmicas. As mais comuns, entre outras, são:
Tabela 1: Causas de Fibrilação atrial e Flutter atrial.
Causas cardíacas | Causas não cardíacas ou Doenças Sistêmicas |
Cardiopatia isquêmica | Hipertireoidismo |
Valvopatias como a estenose ou insuficiência mitral, na FA, e Estenose Aórtica Severa, no Flutter. | Abuso alcóolico (conhecido como Holiday Heart Syndrome) ou mesmo o alcoolismo. |
Cardiomiopatia dilatada | DPOC descompensada |
Pós-operatório de cirurgia cardíaca | Feocromocitoma |
Doença do nó sinusal | Embolia pulmonar |
Pericardite | Broncopneumonia |
Síndrome de WPW. | Intoxicação digitálica (excepcional) |
5) TRATAMENTO
Por se tratarem de taquiarritmias supraventriculares, o tratamento da FA e FLA têm muito em comum.
FA:
A principal abordagem depende da avaliação individual do paciente e passa pelo manejo do controle da frequência cardíaca e anticoagulação e controle do ritmo para aqueles que apresentam sintomas limitantes, como falta de ar e intolerância aos esforços. Um detalhe importante é que, em relação à fibrilação atrial, nenhuma evidência sugeriu que uma das duas estratégias seja mais eficaz na prevenção de AVE do que a outra, de acordo o estudo AFFIRM.
Para o controle do ritmo, o uso de antiarrítmicos como a propafenona e a amiodarona são opções disponíveis no Brasil. Há também a possibilidade do uso da cardioversão elétrica, procedimento médico realizado em ambiente hospitalar, que apresenta maior taxa de sucesso dentro dos primeiros 7 dias após o início da arritmia, nos casos de FA. Já para pacientes com flutter, a taxa de sucesso na cardioversão é maior que 95%. Este procedimento é considerado o de escolha para pacientes com qualquer sinal ou sintoma de instabilidade hemodinâmica.
A ablação por cateter ou cirúrgica são intervenções que têm como objetivo desconectar os pontos de gatilhos da arritmia e, dessa maneira, modificar o substrato que leva ao seu desenvolvimento. A principal diferença entre FA e FLA em relação ao tratamento é justamente essa: o flutter pode ser curado por meio da ablação por radiofrequência e essa abordagem é superior às estratégias de controle da frequência cardíaca ou do ritmo por meio de drogas antiarrítmicas.
Para os casos refratários ao uso de medicação para controle da resposta ventricular, é possível considerar a ablação do nó atrioventricular e o implante de marca-passo permanente.
REFERÊNCIAS:
- Atrial Flutter. Updated: Nov 20, 2017. Author: Lawrence Rosenthal, MD, PhD, FACC, FHRS; Chief Editor: Jeffrey N Rottman. Disponível em <https://emedicine.medscape.com/article/151210-overview>. Acesso em 16 de maio de 2019.
- Atrial Fibrillation. Updated: Apr 09, 2019. Author: Lawrence Rosenthal, MD, PhD, FACC, FHRS; Chief Editor: Jeffrey N Rottman. Disponível em <https://emedicine.medscape.com/article/151066-overview>. Acesso em 16 de maio de 2019.
- Eletrocardiograma Teoria e Prática. Andrés Ricardo Pérez Riera e Augusto Uchida – Barueri, SP: Manole, 2011.
Respostas de 4
Tenho flutter atrial e gostei muito das explicacoes.
Boa tarde, Suely.
Agradecemos por sua participação em nossa publicação.
Esperamos que goste de nossos próximos conteúdos disponibilizados!
Acabei de ler as diferenças entre FA e FLA e gostei Muito, me lembrei que em 2015 meu marido teve que fazer ablação devido ao flutter atrial, e infelizmente era devido ao uso abusivo de álcool
Prezada Margarete,
O uso abusivo do álcool pode realmente causar inúmeras complicações de saúde, espero que seu marido esteja muito melhor agora!
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