Quando indicar um marca-passo?

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Com certeza, esse é um dos temas vistos pela maioria dos colegas como um dos mais complicados. A necessidade de uso da estimulação cardíaca artificial está relacionada a diversas situações clínicas, muitas delas ligadas ao risco iminente de complicações graves, como síncope, insuficiência cardíaca e  principalmente morte súbita por arritmia ventricular complexa. Saber identificar os ritmos cardíacos que se correlacionam com a indicação de marca-passo provisório torna-se, portanto, habilidade fundamental de médicos que atuam nos setores de urgência e emergência, centros cirúrgicos, terapias intensivas e unidades coronarianas. Uma vez estabilizado o paciente, será necessário avaliar qual condição levou ao distúrbio do ritmo encontrado e determinar se foi um acometimento transitório ou se haverá necessidade de implante de marca-passo definitivo.

Nesta revisão, vamos discutir as indicações de implante de marca-passo definitivo (ou permanente), segundo as Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, publicada em 2007.

Podemos dividir as indicações de marca-passo permanente (MPP) entre aquelas que envolvem alterações estruturais cardíacas e as de origem extrínsecas ao coração. Vamos entender um pouco mais?

1) Indicação de MPP nas doenças cardíacas estruturais: são aquelas que de alguma forma alteram o sistema normal de condução do impulso elétrico ou  a estrutura do miocárdio. São elas:

  • Disfunção do nó sinusal: definida pela ocorrência de palpitações, tonturas, pré-síncope ou síncopes relacionadas a alterações eletrocardiográficas – bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio sinoatrial, taquicardia supraventricular alternada com bradicardia sinusal ou assistolia (síndrome bradi-taquicardia).
  • Bloqueio atrioventricular: definido como o retardo ou falha na transmissão do impulso elétrico, do átrio aos ventrículos. Pode ser congênito ou adquirido, transitório, intermitente ou permanente. É classificado como de 1º, 2º (tipo I, II ou avançado) ou 3º grau que correspondem, respectivamente, à condução AV prolongada, intermitente ou ausente.
  • Bloqueio intraventricular: ocorre quando o retardo ou falha de transmissão está localizado nos fibras de condução do impulso elétrico presente nos ventrículos (feixe de His e seus ramos). Pode estar relacionado à maior incidência de bloqueio atrioventricular total ou de 3º grau (BAVT), disfunção ventricular e morte súbita.
  • Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CHMO): é uma doença do miocárdio caracterizada por hipertrofia septal assimétrica que provoca gradiente de pressão no trato de saída do ventrículo esquerdo (VE). O aumento deste gradiente está geralmente relacionado à piora dos sintomas e é considerado preditor independente de progressão da síndrome de IC e de mortalidade.

 

2) Indicação de MPP nas patologias de origem extrínsecas ao coração: relacionam-se a interferências nos sistema nervoso autônomo desencadeadas por estruturas extrínsecas ao coração que alteram a automaticidade do ritmo cardíaco.

  • Síndromes neuromediadas ou vasovagais: trata-se de uma resposta reflexa, predominantemente parassimpática, resultando em tonturas, pré-síncope e síncope. O quadro clínico decorre de redução súbita do fluxo sanguíneo cerebral em consequência de vasodilatação (forma vasodepressora), de bradicardia importante ou assistolia (forma cardioinibitória) ou pela associação das duas respostas (forma mista);
  • Síndrome do seio carotídeo: entidade rara que se caracteriza pela presença de síncope ou pré-síncope consequente à resposta reflexa exacerbada à estimulação do seio carotídeo. É um tipo específico de de síndrome neuromediada.

Mas e então…. Toda vez em que eu me deparar com tais patologias, devo indicar o marca-passo? Bom, não é bem assim. Ao identificarmos alterações expostas acima, devemos analisar cuidadosamente cada caso e indicar o implante do dispositivo somente quando os benefícios são realmente claros. Na tabela abaixo, você encontra as principais indicações (Classe I) e as contraindicações formais (Classe III) para o implante de MP permanente. Outras indicações que devem ou podem ser consideradas serão abordadas especificamente quando formos falar de cada uma das doenças, em uma outra oportunidade.

O marca-passo permanente está indicado quando… (Classe I) 

1) Na Doença do nó sinusal (DNS):
l Espontânea, irreversível ou induzida por fármacos necessários e insubstituíveis, com manifestações documentadas de síncopes, pré-síncopes ou tonturas, ou com IC relacionadas à bradicardia (NE C);
l Com intolerância aos esforços, claramente relacionada à incompetência cronotrópica (NE C).

2) No Bloqueio atrioventricular (BAV):
a) Primeiro grau:
Nenhuma; (alguns contextos clínicos laboratoriais podem raramente indicar com recomendação Classe II);

b) Segundo grau:
l Permanente ou intermitente, irreversível ou causado por drogas necessárias e insubstituíveis, independente do tipo e localização, com sintomas definidos de baixo fluxo cerebral ou IC conseqüentes à bradicardia (NE C);
l Tipo II, com QRS largo ou infra-His, assintomático,permanente ou intermitente e irreversível (NE C);
l Com flutter atrial ou FA, com períodos de resposta ventricular baixa, em pacientes com sintomas definidos de baixo fluxo cerebral ou IC consequentes à bradicardia (NE C);

c) Terceiro grau:
l Permanente ou intermitente, irreversível, de qualquer etiologia ou local, com sintomas de hipofluxo cerebral ou IC consequentes à bradicardia (NE C);
l Assintomático, conseqüente a IAM, persistente >15 dias (NE C);
l Assintomático, com QRS largo após cirurgia cardíaca, persistente >15 dias, (NE C);
l Assintomático, irreversível, com QRS largo ou intra/infra-His, ou ritmo de escape infra-His (NE C);
l Assintomático, irreversível, QRS estreito, com indicação de antiarrítmicos depressores do ritmo de escape (NE C);
l Adquirido, irreversível, assintomático, com FC média <40bpm na vigília, com pausas > 3 segundos e sem resposta adequada ao exercício (NE C);
l Irreversível, assintomático, com assistolia > 3 segundos na vigília (NE C);
l Irreversível, assintomático, com cardiomegalia progressiva (NE C);
l Congênito, assintomático, com ritmo de escape de QRS largo, com cardiomegalia progressiva ou com FC inadequada para a idade (NE C);
l Adquirido, assintomático, de etiologia chagásica ou degenerativa (NE C);
l Irreversível, permanente ou intermitente, conseqüente à ablação da junção do nó AV (NE C).

3) No bloqueio intraventricular (BIV):
l  Bloqueio de ramo bilateral alternante documentado com síncopes, pré-síncopes ou tonturas recorrentes (NE C);

4) Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CHMO):
l  Nenhuma.

Obs: Pacientes sintomáticos, com obstrução significativa da via de saída do VE em repouso ou provocada, refratários ao tratamento farmacológico e quando não houver indicação primária de CDI possuem indicação Classe IIb (NE C);

5) Nas Síndromes Neuromediadas (SNM) ou Vasovagais e Síndrome do Seio Carotídeo:
l Síncope recorrente em situações cotidianas que envolvem a estimulação mecânica do seio carotídeo provocando assistolia > 3s documentada, na ausência de medicamentos depressores da função sinusal ou condução AV – (NE B).

O marca-passo permanente NÃO está indicado quando…(Classe III)

1) Na Doença do nó sinusal (DNS)

  • Assintomática ou com sintomas comprovadamente não relacionados à bradicardia (NE C).

DNS na presença de bradicardia sintomática por uso de fármacos não essenciais ou substituíveis (NE C).

 

2) No Bloqueio atrioventricular:
Primeiro grau: 1. Assintomático (NE C);

  1. Segundo grau:
  • Tipo I, assintomático, com normalização da condução AV com exercício ou atropina IV (NE C);
  1. Terceiro grau:
  • Congênito, assintomático, QRS estreito, com freqüência apropriada para a idade e aceleração adequada ao exercício, sem cardiomegalia, arritmia ventricular e QT longo (NE C);

Transitório por ação medicamentosa, processo inflamatório agudo, cirurgia cardíaca, ablação ou outra causa reversível (NE C).

 

3)  No bloqueio intraventricular (BIV):
Bloqueios de ramo ou bifascicular em pacientes assintomáticos, de qualquer etiologia com ou sem BAV de 1º grau (NE C);

 

4) Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CHMO):

  • Pacientes com a forma não-obstrutiva (NE C);
  • Pacientes assintomáticos ou controlados por tratamento farmacológico (NE C);

Pacientes com indicação de CDI (NE C).

 

5) Nas Síndromes Neuromediadas (SNM) ou Vasovagais e Síndrome do Seio Carotídeo:

  • Resposta cárdio-inibitória à massagem do seio carotídeo na ausência de manifestações clínicas de baixo fluxo cerebral (NE C).

Resposta vasodepressora exclusiva, à massagem do seio carotídeo, independentemente das manifestações clínicas.Difícil? Bom, as indicações são só o começo. Depois de entender bem cada uma delas, o manejo dos pacientes com marca-passo requer conhecimento técnico específico. Compreender seus tipos, programações e funções permite ajustar a melhor terapêutica de estimulação cardíaca para cada paciente. Nós discutiremos muito ainda sobre este dispositivo e sua atuação nas diversas patologias cardíacas. Não deixem de conferir nossas revisões. Até lá.

Autores: Dr. Marco Antonio Bustamante de Lima e Dr. Pedro Yuri Lima.

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