Saudações a todos! Voltamos empolgados essa semana com mais uma aula sobre o mundo da eletrocardiologia. E a primeira pergunta de hoje é: vocês já repararam como fazemos uma avaliação sistemática dos eletrocardiogramas que publicamos no desafio ECG? Isso não é por acaso. O domínio de todas as etapas da interpretação de um ECG é de fundamental importância na prática diária de um médico. Como esse tema é bastante extenso, resolvemos dividi-lo em duas partes. Então, vamos conferir a aula Como analisar um eletrocardiograma? Parte I.
Muitas vezes, no anseio de chegar a um rápido diagnóstico eletrocardiográfico, principalmente em casos de emergência, acabamos não avaliando informações importantes que o traçado nos traz. Da mesma forma que abordamos a leitura de um texto seguindo regras pré-estabelecidas de um certo idioma, o eletrocardiograma precisa ser analisado seguindo uma sistematização.
Figura 1: Exemplo de como seria a interpretação do ECG de forma aleatória se o exame fosse um texto. Será que além das informações em destaque, você conseguiu encontrar a palavra “chance”? E se essa informação fosse crucial para uma conduta imediata? Imagem: topsulnoticias.com.br
É válido salientar que cada profissional ou estudante pode ter seu próprio método de análise. O mais importante é assegurar que todos os itens necessários foram avaliados e sempre seguir esse método toda vez que for analisar algum ECG.
A avaliação do exame começa muito antes da do traçado em si. As informações que identificam o paciente são cruciais para a segurança desse processo e para orientar sua análise – os critérios eletrocardiográficos podem variar de acordo com o sexo ou idade – por exemplo, lembra da Tabela de Davignon? (saiba mais):
- Nome: Lembrar que todo exame precisa contar com o nome completo do paciente, escrito de forma correta e preferencialmente sem abreviaturas. Em ambientes onde existem mais de um paciente e com muita agitação (setor de emergência, por exemplo), exames podem acabar se misturando. Então, muita atenção!
- Sexo: Parece desnecessário, já que tem o nome do paciente, certo? Errado: alguns nomes são unissex e ainda tem os de descendência estrangeira. Então, sempre confirmar este dado.
- Idade: padrões eletrocardiográficos de crianças são diferentes de adultos. A ausência dessa informação ou ainda, a idade incorreta, podem dificultar sua interpretação. Sempre confirme a idade do paciente e, se necessário, corrija.
“Pronto. Será que já posso olhar o traçado?” Ainda não…
O próximo passo é verificar as condições técnicas sob as quais foram realizadas o exame. Isso envolve basicamente três itens:
- Velocidade do traçado: todo ECG convencional deve ser registrado em papel milimetrado na velocidade de 25mm/s. Essa informação pode vir expressa no cabeçalho do exame, no próprio traçado ou ainda na forma de gráfico.
- Amplitude ou voltagem: do mesmo modo, o ECG convencional é registrado utilizando-se o padrão de 10mm/mV. Pode, ainda ser registrado com metade (N/2) ou o dobro (2N) de amplitude.
(A)
(B)
(C)
Figura 2: Formas de apresentação de velocidade e amplitude. (A) a velocidade está expressa no cabeçalho do exame e a amplitude ao lado da identificação da derivação.(B) Velocidade e amplitudes identificadas no próprio traçado – perceba que é possível determinar diferentes amplitudes para derivações frontais e precordiais. (C) Localize ao final do traçado uma designação gráfica da velocidade e amplitude (um “retângulo incompleto”, neste caso): a largura de 5mm identifica a velocidade de 25mm/s e a altura de 10mm, a amplitude daquela derivação.
- Posicionamento de cabos: São muitas as possibilidade de inversão de cabos, seja no plano frontal ou horizontal. Em geral, trocas podem gerar interpretações equivocadas sobre ritmo e eixo, além de padrões anômalos da relação R/S no plano frontal. Em breve, abordaremos este tópico com uma aula especial. Por ora, confira este exemplo:
Figura 3: ECG de 12 derivações: ondas P, QRS e T predominantemente negativas em D1 e, em aVR, justamente o oposto. Exceto em casos de dextrocardia, esse achado é patognomônico de troca de cabos de membros superiores. Percebam, ainda, ondas P, QRS e T positivas em V6, derivação contígua a D1, o que confirma o diagnóstico da troca. Imagem: Jrl Emerg Med 2012.
Bom, deu pra perceber que não dá para sair simplesmente procurando onda P para determinar o ritmo logo de cara. Muitos dados relevantes estão expressos fora do traçado e pular essa etapa pode comprometer toda a sua avaliação. Reservem um tempo para avaliar os aspectos discutidos hoje em diferentes tipos de eletrocardiogramas. Habituem-se a identificar o paciente e a reconhecer a técnica empregada na realização de cada exame. Quando publicarmos a parte dois dessa aula, vocês já estarão dominando tudo que vimos aqui.
Até mais, pessoal.